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quinta-feira, 8 de abril de 2010

EDUCAÇÃO DOMICILIAR CONSTITUI CRIME?

A maioria das matérias ou assuntos por mim abordados neste espaço, são voltados para moda, fotografia, noivas, etc., numa relação direta ao trabalho principal que exerço atualmente.

Em 2003 quando fui lesado e me senti desamparado, pelo uso abusivo de várias imagens que fiz para uma revista de noiva e outra de arquitetura e decoração de uma editora curitibana, vislumbrei a possibilidade de voltar aos bancos acadêmicos e fazer a faculdade de direito, como mais uma opção profissional, para quem não pretende chegar aos sessenta com uma câmera na mão fotografando eventos sociais madrugada à dentro.

A fotografia, volto a insistir, é uma paixão antiga e continuará sendo. O prazer de uma imagem, de um momento congelado das diversas vidas que passam diante das minhas lentes, é algo indescritível e muitíssimo gratificante. Por outro lado, o que sempre me fez buscar outras fontes de renda quando mencionei o direito, é não ter que depender da fotografia, ou somente dos meus próprios braços para obter um resultado financeiro.

Esta pequena introdução foi para explicar o meu interesse pelo direito e pelas matérias jurídicas que venho acompanhando desde que voltei para os bancos acadêmicos em 2003, e continua, principalmente após o bacharelado.

A matéria referente aos adeptos da prática do homeschooling, que transcrevo a seguir, é uma polêmica que tem levado a opiniões e críticas diversas - mas sempre saudáveis para a uma democracia como a nossa - em vários e-mails de amigos e pessoas que nem conheço, vejo de tudo, dos extremados até os que como eu, ainda não tem opinião formada à respeito e estão abertos aos argumentos.

Pelo ponto de vista jurídico é que faço questão em transcrever a matéria a que se refere o título. Como sempre, o autor e grande mestre Damásio Evangelista de Jesus, nos faz refletir sobre estes dilemas legalistas. Mostra de maneira fundamentada, que o "entendimento jurídico" está, na maioria das vezes, engessado e calcado no passado. Os princípios devem ser lembrados sempre. O direito é lindo por nos fazer pensar, ir além. O direito não é exato, exemplo disso nos prova o direito penal. Enquanto para uns 2 + 2 = 4, para o direito penal pode ser "quadrilha".

Enfim, permita se livrar do "pré-conceito" e deixe a crítica para o final da leitura. Participe com comentário, sua opinião é muito importante.


Educação domiciliar constitui crime?
por: Damásio Evangelista de Jesus

Octávio Stucchi, meu Professor de Processo Civil na faculdade, ensinou-me a não dar palpite sem conhecer os autos, especialmente nos litígios em andamento. Às vezes, entretanto, não posso me calar e abro exceção à lição do mestre.

A Folha de S. Paulo, na edição de 6 de março, C1, publicou a notícia de que, numa comarca do interior de Minas Gerais, um casal foi condenado, no cível e no juízo penal, por educar dois filhos adolescentes em casa. Eles são adeptos da prática homeschooling, muito conhecida na Europa e nos Estados Unidos, denominada "ensino domiciliar", na qual os pais ministram aos filhos instrução na própria residência.

No processo penal, a condenação lhes aplicou pena de multa por crime de abandono intelectual, que tem a seguinte definição:

"Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar" (art. 246 do CP).

A ação penal não é nova, vindo de acusação de 2006. Em 2008, o Magistrado determinou a realização de uma prova de conhecimentos gerais aos menores, elaborada pela Secretaria Estadual de Educação. Eles, hoje com 15 e 16 anos, obtiveram notas 65 e 68, superior a 60, mínimo para a aprovação oficial.

Considero não haver crime de abandono intelectual. O fato é atípico, consignando que minha opinião limita-se ao campo estritamente penal.

Observo que o tema não é pacífico, entendendo-se, em sentido contrário ao meu, que a educação domiciliar é ilegal, prejudicando a vivência social dos menores pela ausência do ensino escolar. Quanto a essa fundamentação, de relance, cumpre anotar que, nos dias atuais, o ambiente escolar, dentro e fora dos estabelecimentos de ensino público e particular, salvo exceções, permite aos pais a indicação de novo exemplo do elemento normativo do tipo incriminador, quando faz referência a só existir crime quando a omissão ocorre "sem justa causa".

Acredito que a condenação criminal resultou da aplicação da vencida teoria da ilicitude formal, interpretando como "escolar" a superada elementar "instrução" do art. 246 do CP.

O crime, formalmente, é conceituado, do ponto de vista da lei, como um fato típico e ilícito. Materialmente, considera-se delito o fato que ofende um bem jurídico. Projetadas essas noções à antijuridicidade, tem-se a formal na simples contradição entre o fato e a norma de proibição, enquanto a material só ocorre quando há ofensa a um bem jurídico. Dessa maneira, a ilicitude formal nada mais é do que a tipicidade, qualidade que possui o fato de amoldar-se a um tipo incriminador. A consequência está em desprezar-se a antijuridicidade formal, já expressa na tipicidade. Assim, a ilicitude, segundo elemento do crime, é sempre material, não bastando a denominada formal. Como ensinava JOSÉ FREDERICO MARQUES, a adequação típica mostra-se vazia quando meramente formal, isto é, quando se pretende expressar a ilicitude de uma conduta em face da singela contradição com o mandamento proibitivo, omitindo-se a sua valoração diante do bem que se intenta proteger.

No caso, repito, a acusação baseou-se na contradição entre o mandamento proibitivo ("não deixarás de prover à instrução de filho em idade escolar"), qualificada a elementar "instrução", expressão, como dito, pouco usada na literatura especializada, como "escolar", e o fato concreto, no qual ela não foi "escolar" e sim "domiciliar". Esqueceu-se, porém, como ensina a teoria da imputação objetiva, de que a interpretação das normas penais incriminadoras começa pela pesquisa da tutela do bem jurídico constitucional, o qual, na questão, não foi lesado. E, sem lesividade, inexiste fato típico.

A Carta Magna, após qualificar a educação como direito social (art. 6.º), impõe aos pais o dever de "educar" os filhos (art. 229). Não dispõe sobre a obrigação de educá-los em "escola" (pública ou particular). A Lei de Diretrizes e Bases, porém, uma das fontes da legislação ordinária sobre o assunto, não determina o dever de "educação" em sentido amplo (Lei n. 9.394/96). Restringe-se a disciplinar a "educação escolar" (art. 1.º, §§ 1.º e 2.º), prevendo a matrícula obrigatória no "ensino fundamental" (art. 6.º). E o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei n. 8.069/90), em seu art. 55, obriga os pais a matricularem seus filhos na "rede regular de ensino", cominando multa civil no caso de descumprimento (art. 249). O Plano Nacional de Educação menciona a palavra "escola" dezenas de vezes (Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001).

Nota-se, pois, que, enquanto a Constituição Federal (CF) dispõe sobre "educação", abrangendo a escolar e a domiciliar, a legislação ordinária regulamenta somente a "escolar" (pública ou privada). E mais: obriga os pais a matricular seus filhos em "escola". Sob esse aspecto, significa: para a legislação ordinária brasileira, a educação domiciliar é ilícita. De ver-se que, como a interpretação das leis deve atender ao princípio da conformidade à CF, conclui-se que a lei ordinária, restritiva, não pode imperar sobre a superior, tacitamente extensiva. É simples: se a Carta Maior impõe o dever de educação dos filhos, não se atendo, implicitamente, à escolar, não pode ser legal norma que considera criminoso o pai que provê o filho de educação domiciliar.

O Direito Penal, por meio de prescrições legais, tem por finalidade a defesa de interesses jurídicos, isto é, todos os que se destinam à satisfação de uma necessidade humana e são reconhecidos pelo Direito como necessários à convivência social pacífica ou, nas palavras de CLAUS ROXIN, "todos os dados que são pressupostos de um convívio pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade"¹.

Para que se torne legítima a previsão de normas penais na defesa de determinado bem, é preciso que ele seja de elevada importância (princípio da fragmentariedade) e, além disso, que inexistam outros mecanismos de controle formais capazes de propiciar soluções menos lesivas à sociedade ou aos indivíduos (princípio da subsidiariedade). A aplicação das leis penais de incriminação só é recomendada como último recurso.

A família, sem dúvida, destaca-se como um dos bens jurídicos que, a par da extensiva regulação que se lhes dão as normas extrapenais da CF, do Código Civil (CC), do ECA, da Lei de Diretrizes e Bases etc., necessita, às vezes, da presença do Direito Penal para lhes atribuir a devida proteção. MAGALHÃES NORONHA já dizia, em 1961:

"É quase supérfluo insistir sobre a necessidade da proteção familiar, pois justificar esta é a mesma coisa que justificar a tutela à sociedade, já que é de todos sabido, constituindo lugar comum, que a família é a base desta."²

A advertência é válida para os dias de hoje, confirmada pela CF de 1988 ao declarar de modo eloquente: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (art. 226, caput).

Dos diversos deveres inerentes à família, o de educação, que assiste aos pais em relação aos filhos menores, merece especial destaque, não tendo sido esquecido pela nossa Lei Maior, como ficou consignado: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, [.]"(art. 229). Sobre o mesmo tema, a Carta Magna, em seu art. 205, determina: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". A Lei de Diretrizes e Bases, por sua vez, apresenta a mesma redação (art. 2.º).

O CC, em relação aos filhos, prevê competir aos pais "dirigir-lhes a criação e a educação". E o art. 22 do ECA impõe aos pais o dever de "propiciarem o sustento, a guarda e a educação dos filhos menores" (Lei n. 8.069/90).

A obrigação de educação pode ser cumprida de dois modos: matriculando o filho em escola, isto é, garantindo-lhe o ensino formal (intelectual, acadêmico) ou ministrando-a no lar (instrução informal). Entende-se como tal aquela fornecida fora dos quadros do ensino escolar, ministrada por um sistema sequencial e progressivo, com duração variável, permitindo o pleno desenvolvimento da pessoa.

Se a CF impõe aos pais o dever de "educação" e, se ela pode ser escolar e domiciliar, admitindo as duas, esta última não pode ser considerada ilegal. O art. 246 do CP, portanto, não tipifica o fato do pai que deixa de matricular o filho na escola, mas sim o que não lhe providencia o devido ensino, seja formal ou domiciliar. Por isso, este não pode ser considerado delito de abandono intelectual. Falta-lhe tipicidade, sem necessidade de socorrer-se da eventual análise da elementar "sem justa causa" (elemento normativo do tipo).

Não desconheço a existência do Projeto de Lei n. 3.518, de 5 de junho de 2008, de autoria dos Deputados Federais Henrique Afonso e Miguel Martini, tramitando no Congresso Nacional. Acrescentando um parágrafo único ao art. 81 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9.394/96), pretende disciplinar o ensino domiciliar.

Em suma, a atitude dos pais que dão aos filhos menores ensino no âmbito familiar, sem os matricular em escola pública ou particular, cumpre o dever constitucional de educá-los, de modo a, por isso, não se lhes poder atribuir prática delituosa. Genericamente, no sentido de inexistir crime na hipótese, é a lição de PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, MIRABETE, FERNANDO CAPEZ e CEZAR ROBERTO BITENCOURT. Da mesma forma, como exposto, estou sinceramente convencido de que o fato questionado é atípico.


¹ Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife: Renovar, 2006. p. 35.
² NORONHA, Edgard Magalhães.
Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1961. v. 3, p. 394.


Jornal Carta Forense, quinta-feira, 1 de abril de 2010

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Autoria: Damásio Evangelista de Jesus
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo - Aposentado. Doutor "Honoris Causa" em Direito pela Universidade de Estudos de Salermo - Itália. Presidente e Professor do Compléxo Jurídico Damásio de Jesus. Autor de diversas obras pela Editora Saraiva.
www.blog.damasio.com.br
www.twitter.com/damasiodejesus



Um comentário:

  1. Parabéns!Por ir atrás de seus direitos.Todos nós devíamos fazer o mesmo,quem sabe tudo estaria em seu devido lugar.
    Minha filha faz Direito também.E nunca é tarde para ir atrás de nossos sonhos.
    bjssss

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